Aspectos Atuais da Reconstrução da Mama

A reconstrução mamária é parte do tratamento global do câncer de mama e desempenha importante papel no difícil processo de reabilitação. O enfoque multidisciplinar, o planejamento pré-operatório e a indicação individualizada e correta de diferentes técnicas são fundamentais para o sucesso da reconstrução e satisfação com o resultado.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Oncoplastica - American College of Surgeons



Cirurgia Oncoplástica no American College of Surgeons

MOSCONE CONVENTION CENTER
São Francisco / Califórnia

No grande evento anual do Colégio Americano de Cirurgiões* (mais de 20.000 incritos) houve a inclusão no programa de cursos de pos-graduação (post-graduated courses) de um simpósio/curso avançado de cirurgia oncoplástica. Neste evento houve a participação de aproximadamente 120 cirurgiões, maioria proveniente dos EUA, e com especialidades relacionadas à cirurgia do câncer de mama como cirurgiões gerais, mastologistas e cirurgiões plásticos. É fato que nos EUA a grande maioria das pacientes com diagnóstico de câncer de mama são tratadas pelo cirurgião geral com especialidade em cirurgia oncológica. Este cenário se mostra distinto no Brasil onde a grande parte das cirurgias são realizadas pelo mastologista e que tem sua formação em ginecologia/obstetrícia. Com a participação ativa dos inscritos pode-se perceber claramente o progressivo interesse do cirurgião geral por técnicas de cirurgia oncoplástica e reconstrução mamária uma vez que 80% dos inscritos apresentavam esta especialidade.


American College of Surgeons - Oncoplastic Course - Dr.Alexandre Mendonça Munhoz - Cirurgia Oncoplástica - Breast Reconstruction - Reconstrução mamária
Esta constatação corrobora com a impressão mundial e o contínuo avanço da cirurgia oncoplástica não como opção mas sim como real necessidade no tratamento do câncer de mama. Em alguns países esta se mostra como parte do tratamento global e em outros é empregado em centros específicos, em sua maioria hospitais terciários e coordenados por equipes multiprofissionais. Neste curso, coordenado pela cirurgiã plástica do MD Anderson Cancer Center (Houston/Texas) Dra. Elizabeth Beahn, houveram diferentes palestrantes abordando distintos aspectos da cirurgia oncoplástica, como técnicas de reconstrução pós mastectomia, pós cirurgia conservadora da mama, cirurgias mais complexas como retalhos microcirúrgicos e procedimentos tecnicamente mais simples como lipoenxertias.



Prof. M. Silverstein, M.D.
Coube ao Prof.Melvin Silverstein da Califórnia a mesa de oncoplástica em cirurgia conservadora onde o mesmo abordou aspectos gerais da oncoplástica como tipo de incisões, retalhos glandulares locais e reposicionamento da aréola. O Prof.Silvertein é um cirurgião geral e defende a oncoplástica há muitos anos nos EUA, sendo um grande introdutor das técnicas de reparação no âmbito da cirurgia oncológica da mama. Prof. Silverstein é formado pelo Johns Hopkins em Maryland e foi professor assistente da UCLA na área de cirurgia e oncologia. Fundou em 1979 o Breast Cancer de Van Nuys California o qual coordenou como diretor até 1998 sendo responsável por inúmeros trabalhos sobre carcinoma in situ e pela classificação de Van Nuys os quais representam um dos guias de conduta para tratamento dos tumores em situ da mama. Com ideal mais conservador adotado em relação aos tumores em situ, também foi um dos incentivadores das técnicas de cirurgia oncoplástica pelos mastologistas/cirurgiões gerais nos EUA.

American College of Surgeons - Oncoplastic Course - Palestra do Dr.Alexandre Mendonça Munhoz - Cirurgia Oncoplástica - Breast Reconstruction - Reconstrução mamária



Na mesma mesa redonda participou o Dr.Alexandre Mendonça Munhoz com uma palestra sobre as técnicas de mamoplastia na cirurgia conservadora. Com uma experiência de 10 anos empregando essas técnicas em associação com o tratamento conservador do câncer de mama, o Dr.Munhoz abordou aspectos como indicação da mamaplastia/mastopexia em função do volume mamário e tipo de incisões empregadas na cirurgia oncológica. Ademais, discorreu também sobre as principais técnicas de mamaplastia empregadas e os critérios de indicação. Fatores de risco conhecidos para complicações pós-operatórias como obesidade, radioterapia prévia e falta de planejamento também foram amplamente discutidas em conjunto com os outros palestrantes.



American College of Surgeons - Oncoplastic Course - Mamoplastia / Mastopexia - Dr.Alexandre Mendonça Munhoz - Cirurgia Oncoplástica - Breast Reconstruction - Reconstrução mamária

O convite para participação do Dr.Munhoz partiu do MD Anderson Cancer Center frente as suas recentes publicações sobre o tema atual e específico relatado nas revistas Plastic and Reconstructive Surgery * (Análise Crítica das Técnicas de Mamoplastia na Cirurgia Conservadora da Mama), Annals of Plastic Surgery ** (Técnica do Pedículo Súpero-Medial na Cirurgia Conservadora da Mama e The Breast *** (Uso da Técnica do Pedículo Inferior na Cirurgia Conservadora da Mama). O mesmo artigo publicado Plastic and Reconstructive Surgery mereceu um editorial com discussão feito pela Dra.Elizabeth Beahn na revista International Breast Quartely, revista esta específica de mastologia/oncologia mamária.


Munhoz AM et al.
Plast Reconstr Surg. 2006, 117(4); 1091-1100.

Munhoz AM et al.
Annals of Plastic Surgery. 2006; 57(5), 502-508.

Munhoz Am et al.
The Breast. 2007; 17(6), 577-589.

Participou ainda a Dra.Kelly Hunt do MD Anderson que abordou os aspectos oncológicos e técnicos da cirurgia conservadora e suas implicações na abordagem oncoplástica. A Dra. Hunt é chefe do setor de Mastologia do MD Anderson e contribuiu com inúmeros trabalhos científicos sobre o tema nos últimos anos. O Hospital Memorial de Nova York foi representado pelo Drs.Joseph Disa e Peter Cordeiro que participaram com palestras sobre reconstrução mamária com expansores e aspectos relacionados com a radioterapia pós-operatória. O Hospital Memorial-NY apresenta hoje uma das maiores casuísticas em reconstrução mamária imediata com utilização de expansores com sistema de válvula inclusa. 



Com vários trabalhos publicados sobre esse assunto, o Dr.Cordeiro conta hoje com uma larga experiência neste tipo de técnica e é um dos defensores da reconstrução imediata mesmo na situação de radioterapia pós-operatória. Apesar dos bons resultados, esta conduta não é compartilhada por outros especialistas, no caso o grupo do Texas (MD Anderson) que defendem a contra-indicação da reconstrução na possibilidade de radioterapia pós-operatória devido aos efeitos negativos estéticos e a prejuízo no planejamento radioterápico. No curso fica claro que ainda permanece um assunto controverso e há a necessidade de trabalhos comparativos com objetivo de se obter resultados mais contundentes sobre a melhor conduta.



Em sua apresentação, Dr.Alexandre Munhoz abordou aspectos técnicos das reconstruções em cirurgia conservadora da mama empregando técnicas de mamoplastia estética com ênfase nas indicações  e no planejamento dos diferentes pedículo mamários habitualmente utilizados. Sabe-se que as técnicas de mamoplastia apresentam aspectos positivos e negativos na reconstrução pós quadrantectomia. Entre as principais vantagens podemos mencionar os benefícios estéticos uma vez que permite a redução de volume mamário e a correção da ptose e simetrização. Ademais, há o benefício funcional uma vez nas pacientes com gigantomastias, a redução de volume favorece o melhor estado físico com implicações na qualidade de vida. 

American College of Surgeons - Oncoplastic Course - Aspectos Positivos e Negativos do Emprego de Técnicas Mamoplastia / Mastopexia - Dr.Alexandre Mendonça Munhoz - Cirurgia Oncoplástica - Breast Reconstruction - Reconstrução mamária

Nestas pacientes há ainda a possibilidade de maiores ressecções de tecido uma vez que na montagem e modelamento da mama há maiores retiradas glandulares do que as realizadas com objetivo oncológico durante a realização da quadrantectomia. Este fato contribui para maior negatividade de margens cirúrgicas além de impacto futuro na probabilidade de recidivas locais. Em um trabalho interessante publicado no periódico Annals of Surgical Oncology em 2006 pelo autor francês Giacalone demonstrou a maior radicalidade das ressecções teciduais nas pacientes submetidas a técnicas de oncoplástica quando comparado com a cirurgia conservadora isolada. 


Ann Surg Oncol 2007, 14(2), 601-606

Em uma série de 74 pacientes com diagnóstico de câncer de mama precoce, o grupo francês observou um maior volume tecidual (190 x 99 cm3) e maior extensão das margens cirúrgicas nas pacientes submetidas a mamoplastia redutora do que a quadrantectomia sem reconstrução. 

American College of Surgeons - Oncoplastic Course - Giacalone et als. Margens cirúrgicas em pacientes com câncer de mama precoce e submetidas a técnicas de Mamoplastia X quadrantectomia isolada - Dr.Alexandre Mendonça Munhoz - Cirurgia Oncoplástica - Breast Reconstruction - Reconstrução mamária

Nas pacientes com mamas mais volumosas, existem limitações técnicas no planejamento da radioterapia adjuvante e desta forma a simples redução de volume decorrente das técnicas de mamoplastia favorece a radioterapia e reduz o índice de complicações locais. Um interessante trabalho publicado por Newman et al., no American Journal of Surgery em 2001 avaliou diferentes casuísticas e o índice de complicações pós radioterapia adjuvante em pacientes com diferentes volumes de mama. 


Newman et al.
Am J Surg 2001, 181(3); 201-207

Neste artigo de revisão observou-se que pacientes com mamas volumosas (cup size D) apresentaram maior índice de complicações como retrações, fibroses e necroses de gordura que as pacientes com mamas pequenas (cup size A/B).

American College of Surgeons - Oncoplastic Course - Newman et al., Efeitos da macromastia e volume mamário nas complicações locais pós radioterapia adjuvante. Mamoplastia / Mastopexia - Dr.Alexandre Mendonça Munhoz - Cirurgia Oncoplástica - Breast Reconstruction - Reconstrução mamária

Entre as desvantagens do método, podemos citar o tempo cirúrgico mais prolongado que a simples realização do quadrante (em média 1 a 2 horas a mais), a necessidade de treinamento especíco com técnicas de cirurgia plástica e mamoplastias e o deslocamento do sítio tumoral original. Este último por sua vez é mais observado na situação de grandes ptoses e, portanto é fundamental a identificação do sítio tumoral original no intra-operatório de modo a que o mesmo possa ser localizado a posteriori.Outro aspecto não menos importante está relacionado com a possibilidade de exame da mama contra-lateral uma vez que 90% das pacientes submetidas as técnicas de mamoplastia realizam a simetrização simultânea. Sabe-se que as pacientes com diagnóstico de câncer de mama apresentam uma probabilidade maior de desenvolver um segundo tumor primário na mama contra-lateral do que a população normal. Em um estudo conduzido pelo nosso grupo (Ricci et al.) e publicado no Annals of Plastic Surgery em 2006 avaliou esta indagação*. 



Annals of Plastic Surgery 2006, 57(2); 123-133.

Neste estudo Ricci avaliou amostras de tecido glandular da mama contra-lateral em pacientes que fizeram simetrizações pós reconstrução total da mama (n=114) e demonstrou que 2,6% das pacientes apresentaram lesões de carcinoma in situ e 1,8% de carcinoma lobular invasivo na mama contra-lateral. Logo a possibilidade de se obter uma amostra da mama contra-lateral em uma paciente de risco torna a técnica de mamoplastia mais atrativa com procedimento de reconstrução mamária imediata.

American College of Surgeons - Oncoplastic Course - Mamoplastia da mama contra-lateral e amostra patológica de pacientes com diagnóstico de câncer de mama - Dr.Alexandre Mendonça Munhoz - Cirurgia Oncoplástica - Breast Reconstruction - Reconstrução mamária


Outro ponto importante abordado pelo Dr.Munhoz se refere a incidência de complicações nas pacientes submetidas a reconstrução imediata e tardia com técnicas de mamoplastia. Em uma casuística de 138 pacientes (108 imediatas x 30 tardias) observou-se uma incidência total de 32% de complicações sendo as mais prevalentes a necrose parcial do "T", as deiscências de incisão cirúrgica, a infecção local, as necroses de gordura e a necrose parcial do complexo aréolo-papilar.

American College of Surgeons - Oncoplastic Course - Incidência de complicações em reconstrução imediata e tardia com mamoplastias - Dr.Alexandre Mendonça Munhoz - Cirurgia Oncoplástica - Breast Reconstruction - Reconstrução mamária.


Nas pacientes submetidas a reconstrução imediata, a incidência destas complicações foi de aproximadamente 28%. Todavia, nas pacientes submetidas as mesmas técnicas e anos após a quadrantectomia com radioterapia adjuvante, a incidência de complicações foi de aproximadamente 46%. Ademais, o número de reoperações por complicações e o número de tempos cirúrgicos adicionais para se atingir um resultado satisfatório foi maior no grupo submetido a reconstrução tardia que no imediato. Quanto ao tipo de pedículo empregado e a incidência de complicações, nesta série clínica houve limitações quanto ao número de casos e a significância destes para uma análise estatística mais aprofundada. Todavia, e em uma análise mais superficial, não foram observadas diferenças significativas quanto ao tipo de pedículo e a incidência de complicações.

American College of Surgeons - Oncoplastic Course - Incidência de complicações em reconstrução quanto ao pedículo empregado na mamoplastia - Dr.Alexandre Mendonça Munhoz - Cirurgia Oncoplástica - Breast Reconstruction - Reconstrução mamária.


Quanto a escolha da técnica de mamoplastia e sobretudo ao tipo de pedículo para o complexo aréolo-papilar, alguns pontos são importantes. O grau de ptose mamária, a localização do tumor, a presença de cicatrizes prévias, o acesso cirúrgico para o quadrante a para a axila e a experiência do cirurgião estão diretamente relacionados com a escolha do pedículo da mamaplastia. Na literatura não há consenso entre os autores quanto a melhor técnica uma vez que o adequado e complexo julgamento frente a estes fatores mencionados é que pode eleger a melhor técnica para cada paciente submetida a cirurgia conservadora.

American College of Surgeons - Oncoplastic Course - Pedículos em mamaplastias utilizados para a reconstrução em quadrantectomias - Dr.Alexandre Mendonça Munhoz - Cirurgia Oncoplástica - Breast Reconstruction - Reconstrução mamária.


Nesta situação, optamos pelo pedículo superior nos tumores inferiores e com grau de ptose leve/moderado. Utilizamos o pedículo súpero-medial para tumores inferiores em ptoses maiores ou tumores laterais e latero-inferiores. Já nos tumores centrais ou superiores há uma preferência pelos pedículos inferiores com ou sem o complexo aréolo-papilar a depender da ressecção do complexo. Na situação de quadrantectomia central com retirada do complexo, pode-se confeccionar um pedículo inferior com ilha de pele no meridiano central do polo inferior da mama e avança-lo para o quadrante central na forma de "plug-flap". Em um segundo tempo, realiza-se a reconstrução da aréola e papila com técnica pertinente na ilha de pele do pedículo inferior. Já para os tumores mediais, pode-se realizar o pedículo súpero-lateral. Na nossa experiência com mamoplastia em quadrantectomias, em 43% foi empregado o pedículo súpero-medial, em 21% o pedículo superior, em 19% o pedículo inferior e em 14% o pedículo súpero-lateral.

American College of Surgeons - Oncoplastic Course - Pedículos em mamaplastias utilizados para a reconstrução em quadrantectomias - Dr.Alexandre Mendonça Munhoz - Cirurgia Oncoplástica - Breast Reconstruction - Reconstrução mamária.

Técnica do pedículo inferior para reconstrução
Na opção das técnicas que se baseam no pedículo inferior, é fundamental a preservação dos vasos perfurantes do 5o. e 6o. espaço intercostal na região mediana da mama. Desta forma consegue-se moldar um retalho de polo inferior que avança para a região central da mama. Nas situações onde consegue-se preservar o complexo aréolo-papilar, utilizamos a técnica convencional de pedículo-inferior habitualmente empregada em reduções estéticas. No quadrante central clássico, com retirada da aréola e da papila, empregamos uma ilha de pele de diametro semelhante e localizada no polo inferior da mama. Com o princípio do retalho "plug" esse tecido é avançado para o quadrante central e em um 2o. tempo cirúrgico, e após a radioterapia, realiza-se a reconstrução da aréola e papila. Como benefícios no emprego destas técnicas podemos citar o melhor resultado estético advindo da redução e reposicionamento da mama, o menor índice de complicações cutâneas advinda da radioterapia pós-operatória, a maior simetria decorrente da redução da mama contra-lateral e a maior extensão da margem cirúrgica. Como desvantagens há a alteração do sítio tumoral original e a presença de maior cicatriz intramamária, fato este relevante no seguimento pós-operatório.

Dr. Alexandre Mendonça Munhoz. Cirurgia Oncoplástica, reconstrução da mama.

Em conclusão, a experiência desenvolvida nos últimos anos demonstra que a utilização das técnicas de mamaplastia redutora é consideralmente benéfica no que tange os resultados estéticos, a extensão da ressecção oncológica e, sobretudo o índice de complicações observadas. Em algumas situações e a depender da extensão da ressecção e do volume/formato da mama há a possibilidade de melhora do resultado estético mesmo pós reconstrução e radioterapia. Ademais, em análise retrospectiva de série clínica envolvendo a experiência nos últimos 10 anos e avaliando o emprego da mamoplastia como técnica de reconstrução pós cirurgia conservadora observamos um índice aceitável de complicações locais e semelhantes o observado em reduções mamárias de objetivo estético.



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