Aspectos Atuais da Reconstrução da Mama

A reconstrução mamária é parte do tratamento global do câncer de mama e desempenha importante papel no difícil processo de reabilitação. O enfoque multidisciplinar, o planejamento pré-operatório e a indicação individualizada e correta de diferentes técnicas são fundamentais para o sucesso da reconstrução e satisfação com o resultado.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Anatomia Patológica X Cirurgia Oncoplástica



Anatomia Patológica, Margens Cirúrgicas X Cirurgia Oncoplástica

Há Como Ter Previsibilidade de Conduta Quanto a Reconstrução ?

Apesar de não haver consenso internacional sobre o papel da anatomia patológica intra-operatória e a congelação de margens cirúrgicas na cirurgia conservadora, experiências em diversos grupos e um número significativo de estudos clínicos mostram benefícios e um menor índice de recidiva local advinda do monitoramento das margens no decorrer do tratamento cirúrgico. É fato também que em algumas lesões específicas não há uma previsibilidade quanto a segurança final de margens livres e podem ocorrer discordâncias no resultado definitivo da parafina. Ademais, e como ocorre em qualquer exame, há uma índice de falso-negativo e falso-positivo e, portanto, podem influenciar na conduta pós cirúrgica.




A cirurgia oncoplástica entra neste contexto uma vez que a grande maioria das técnicas empregadas na reconstrução imediata de resseções parciais levam à mobilização glandular e alteração do local original do tumor. Sabe-se que as técnicas de mamoplastia empregadas na reconstrução em quadrantectomias apresentam aspectos positivos e negativos. Entre as principais vantagens podemos mencionar os benefícios estéticos uma vez que permite a redução de volume mamário e a correção da ptose e simetrização da mama contra-lateral. Ademais, há o benefício funcional uma vez que nas pacientes com gigantomastias, a redução de volume favorece o melhor estado físico com implicações na qualidade de vida. 


Todavia, na situação específica de mamoplastias redutoras e mastopexia não raro podem haver mudanças na localização do sítio original do tumor e desta forma o sítio do quadrante inferior passa a se localizar na região central ou mesmo superior da mama. De modo semelhante, setorectomias laterais podem ser deslocadas para o eixo central da mama e vice-versa.  


Dr. Alexandre Mendonça Munhoz. Cirurgia Oncoplástica, Oncoplastic Surgery, Reconstrução da Mama.
Desta forma, a dúvida que persiste seria qual seria a conduta frente à positividade de margens em uma mama previamente reconstruída com cirurgia oncoplástica. Há a possibilidade de se localizar o sítio tumoral original e realizar a ampliação das margens ou mesmo um "re-quadrante"? Ademais, qual seria a evolução destas pacientes submetidas à u ma nova reconstrução em uma área previamente e recentemente manipulada.



Neste sentido, em estudo recentemente publicado por nosso grupo no periódico The Breast** avaliamos este fatores entre outros em um estudo retrospectivo de 218 pacientes submetidas a cirurgia conservadora da mama, mapeamento de margens intra-operatório por meio de congelação e reconstrução imediata com técnicas de oncoplástica. Nesta série, 71% (155 pacientes) tiveram margens livres na avaliação intra-operatória e a reconstrução previamente planejada foi realizada, no caso retalhos glandulares, mamoplastia/mastopexia, retalhos locais e a distância. Em 28% (63 pacientes) houve a necessidade de ampliação cirúrgica por margens positivas no intra-operatório.




Munhoz et al.
The Breast, 18(1): 47-54, 2008.


Na literatura pertinente poucos estudos avaliaram este dilema em maior profundidade. Na verdade, e pensando nas limitações práticas das técnicas de mapeamento de margens no intra-operatório, pode até colocar em dúvida a real indicação de reconstrução imediata na cirurgia conservadora da mama. O grupo de Atlanta do Emory Hospital representado pelo colega Albert Losken primeiro demonstrou preocupação com essa questão. Em um estudo* de 63 pacientes submetidas a cirurgia conservadora e reconstrução imediata com técnicas de mamoplastia, demonstrou que em 93% os resultados se mantiveram e houve concordância do intra-operatório com o resultado da parafina.



Losken et al.
Annals of Plastic Surgery, 59(3): 235-241, 2007.


Neste estudo, em 7% (ou 4 pacientes), as margens finais se mostraram comprometidas e houve a necessidade de nova cirurgia e reconstrução total da mama. Em todas essas pacientes foi realizado a mastectomia com preservação de pele e com bons resultados na reconstrução. Entre os fatores de risco para discordância com a parafina o estudo observou um maior risco em paciente jovens e com tumores in situ. Neste grupo os autores enfatizam uma maior cautela nas técnicas de reconstrução até o resultado final das margens cirúrgicas.
No presente estudo aplicamos diferentes técnicas de reconstrução em cirurgia conservadora baseando-se em um algoritmo pré-definido. Para tal objetivo, a extensão da ressecção associada ao tamanho inicial do tumor, a sua localização, a proximidade da pele e o comprometimento das margens cirúrgicas foram tomadas como critérios de escolha para melhor técnica. Assim, em algumas situações clínicas de quadrantectomias extensas, podem ocorrer extensas ressecções de volume mamário e ainda preservando-se parte do volume remanescente. Desta forma, torna-se de fundamental importância a aplicação de técnicas cirúrgicas "customizadas" e em conjunto com a cirurgia conservadora da mama de modo a se alcançar um adequado resultado estético e sucesso na conservação da mama. 



Algoritmo de Condutas:
Tipo de quadrantectomias quanto à anatomia mamária e extensão da cirurgia (Munhoz et al., PRS 2006).

- TIPO I: Mamas sem ptose e com volume pequeno;

IA: Ressecção pequena de tecido glandular sem alteração do volume e da forma. Habitualmente representa 10 a 15 % do volume mamário total.
IB: Ressecção moderada de tecido glandular com pequena/moderada alteração do volume e da forma. Habitualmente representa 15 a 40 % do volume mamário total.
IC: Ressecção extensa de tecido glandular com moderada/grave alteração do volume e da forma. Habitualmente representa mais que 40-50 % do volume mamário total.

- TIPO II: Mamas com ou sem ptose e com volume moderado ou normal;

IIA: Ressecção pequena de tecido glandular sem alteração do volume e da forma.
IIB: Ressecção moderada de tecido glandular com pequena/moderada alteração do volume e da forma.
IIC: Ressecção extensa de tecido glandular com moderada/grave alteração do volume e da forma.

- TIPO III: Mamas com ptose e com grande volume (gigantomastia);

IIIA: Ressecção pequena de tecido glandular sem alteração do volume e da forma.
IIIB: Ressecção moderada de tecido glandular com pequena/moderada alteração do volume e da forma. 
IIIC: Ressecção extensa de tecido glandular com moderada/grave alteração do volume e da forma.

Desta forma, consideram-se as grandes retiradas de volumes como os defeitos tipo IB, IC, IIC e IIIC. Nestes casos torna-se fundamental o planejamento em conjunto com o mastologista no intuito de se avaliar o benefício da preservação do volume mamário residual e na possibilidade de conversão intra-operatório para uma cirurgia mais ampla como, por exemplo, a mastectomia com preservação de pele. Em ressecções glandulares pequenas (classificados como IA ou IIA), sem grandes distorções, há o benefício do emprego de retalhos glandulares locais como os de avanço e rotação sem necessariamente a realização da mamoplastia convencional. O exemplo clássico é o nos quadrantes súpero-laterais por acesso periareolar total onde a oncoplástica favorece muito mais o amplo acesso cirúrgico e o melhor posicionamento da cicatriz final do que propriamente a reconstrução da mama.


Nesta situação, realiza-se o avanço-rotação dos polos superiores mediais e e inferiores-laterais para a região do quadrante e promove-se o fechamento da incisão periareolar. Em algumas situações, e principalmente após a radioterapia, pode ser necessário a simetrização da mama contra-lateral. Já nos tipo IB e pacientes com defeitos mamários laterais pode-se empregar o retalho tóracodorsal ou tóracolateral. Já nos defeitos centrais ou mediais o retalho do músculo grande dorsal pode ser empregado com bons resultados. No tipo IC vale a possibilidade de conversão para cirurgia radical (mastectomia com preservação de pele) e a reconstrução total da mama com a técnica mais pertinente. A pequena quantidade de volume mamário remanescente e a dificuldade de reconstrução de defeitos parciais extensos além da possibilidade de se evitar a radioterapia pós-operatória favorecem esta última opção.


Neste grupo de pacientes e baseando-se no algoritmo empregado, em 48 manteve-se a mesma técnica de reconstrução após uma ampliação e em 11 pacientes houve a necessidade de outra técnica de reconstrução devido ao maior volume de ressecção. Em aproximadamente 6,5% da casuística houve a necessidade de conversão da cirurgia conservadora para uma mastectomia com preservação de pele e reconstrução total. Nestes casos, e previamente discutido com a paciente, houve a indicação de retalhos provenientes do abdome como TRAM e DIEP e o emprego do retalho do grande dorsal associado com implante-expansor biodimensional.


Dr. Alexandre Mendonça Munhoz - Cirurgia Oncoplástica - Reconstrução Mamária - Reconstrução da Mama - Oncoplastic Surgery - Breast Reconstruction

















Na análise definitiva com método da parafina, em 5,5% (12 pacientes) da casuística total houve a presença de margens cirúrgicas positivas em exames que demonstraram previamente negativos no intra-operatório. Nestas pacientes, em 10 houve a possibilidade de identificação do sítio do tumor original e realizado a ampliação de margens no local. Neste grupo, em 4 pacientes não houve a necessidade de uma nova reconstrução, em 3 preservou-se a mama porém uma nova técnica de oncoplástica foi empregada e nas 3 pacientes remanescentes, e divido a extensão maior da ressecção, houve a necessidade de conversão para mastectomia do tipo preservação de pele e reconstrução total. 


Ainda no grupo das 12 pacientes, em 2 não houve a possibilidade de identificação do sítio tumoral e na reoperação indicou-se a mastectomia e reconstrução total. Todas as pacientes apresentaram boa evolução com índice aceitável de complicações e semelhante ao observado em situações de reconstrução imediata habituais. Ademais, aproximadamente 92% das pacientes se mostraram satisfeitas com o resultado e realizaríam o procedimento novamente.


Desta forma e baseando-se no algoritmo, o subtipo mais crítico em relação a reconstrução enquadra-se no tipo C. Neste tipo, os defeitos são analisados individualmente de acordo com a relação com o volume mamário remanescente, ou seja, favorável ou não favorável. Nos defeitos laterais favoráveis pode-se empregar o retalho tóracodorsal ampliado com extensão até a região do dorso. Já nos defeitos centrais e mediais pode-se utilizar os retalho do músculo grande dorsal ampliado incorporando toda extensão do músculo dorsal até próximo a região glútea. Nos defeitos não favoráveis, a semelhança dos defeitos IC, aventa-se a possibilidade de conversão para mastectomia e reconstrução total com a técnica mais adequada. Já no tipo IIIC deve-se analisar o defeito individualmente. Nos defeitos favoráveis pode ser indicar a mamaplastia redutora bilateral com redução acentuada do volume mamário inicial. Nos defeitos não favoráveis indica-se também a conversão para cirurgia radical e reconstrução total.
Dr. Alexandre Mendonça Munhoz - Cirurgia Oncoplástica - Reconstrução Mamária - Reconstrução da Mama - Oncoplastic Surgery - Breast Reconstruction




















Desta forma e frente a experiência pregressa torna-se necessário e fundamental o planejamento conjunto e multiprofissional entre mastologista, cirurgião plástico e patologista com objetivo de se alcançar resultados seguros e previsíveis. Apesar da possibilidade de falsos-negativos no exame de patologia intra-operatória, a incidência de 5% é aceitável e compatível com a experiência mundial. Nestes casos em específico, em sua grande maioria há a possibilidade de se realizar a ampliação de margens com ou sem nova reconstrução. Em uma porcentagem muito pequena das pacientes há a necessidade de complementação para cirurgias mais amplas, como mastectomia com preservação de pele, e reconstrução total com a técnica pertinente. Todavia, na grande maioria dos casos os resultados estéticos são satisfatórios com índices de complicações baixos e comparáveis à reconstrução primária.





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