A cirurgia conservadora da mama representada pelas quadrantectomias representa um grande avanço no tratamento cirúrgico do câncer de mama inicial. Introduzido na década de 80, o conceito de mastectomia parcial ou conservação da mama na situação de tumores iniciais muito contribuiu para o tratamento e, sobretudo reabilitação da paciente com câncer mamário. Apesar dos resultados a longo prazo se mostrarem equivalentes à cirurgia radical no tocante às recidivas locais e a mortalidade, o resultado estético em alguns casos apresentava algumas limitações.
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Dr. Alexandre Mendonça Munhoz, cirurgia oncoplástica, reconstrução da mama, reconstrução mamária. Oncoplastic Surgery |
Apesar de inúmeros fatores estarem envolvidos na evolução estética e no resultado pós quadrantectomia sabe-se atualmente que a extensão da ressecção, o volume mamário inicial, a presença de complicações locais, a localização da incisões e a intensidade e qualidade da radioterapia adjuvante conferem importância ímpar como determinante do resultado estético final e na satisfação por parte das pacientes. Ademais, e baseado na experiência demonstrada por inúmeros autores, a aplicação de técnicas de reconstrução da mama e procedimentos de cirurgia oncoplástica mais simples ou mesmo mais elaborados também apresentam papel crucial na evolução do resultado final.
Nos últimos anos, o interesse pelas diferentes técnicas de reconstrução pós cirurgia conservadora da mama tem aumentado, fato este comprovado pelo número de publicações em revistas indexadas observada nos últimos anos. Entre as principais merece destaque os retalhos glandulares locais de avanço e rotação, as técnicas de mastopexia e/ou mamoplastia redutora com simetrização contra-lateral, o emprego de retalhos locais como os retalhos rombóides ou da vizinhança como o retalho tóraco-lateral inferior ou superior e até procedimentos mais elaborados como as técnicas de retalhos vascularizados em pedículos perfurantes. Apesar da ausência de consenso entre a maioria dos autores no que tange os critérios de escolha para os distintos procedimentos, sabe-se atualmente que a premissa volume tumoral X volume mamário inicial é ponto fundamental na escolha de determinada técnica em detrimento de outra.
Assim, na aplicação individualizada de cada técnica de cirurgia oncoplástica deve-se avaliar com bom senso e em conjunto com o colega mastologista o volume do tumor, a extensão da ressecção e comparativamente o volume mamário inicial. Desta forma, algumas pacientes apresentam do ponto de vista anatômico, uma maior flexibilidade por parte do cirurgião plástico na escolha das diferentes técnicas, quais sejam pacientes portadoras de hipertrofias mamárias ou mesmo quadros de gigantomastia. Neste grupo, mesmo em ressecções maiores advindo de tumores mais volumosos ou ressecções mais amplas decorrentes de margens comprometidas, há um maior leque de opções técnicas e táticas e assim fovorecendo o resultado final. Todavia, o grupo de pacientes em questão que apresentam volume mamário reduzido torna-se um desafio na escolha da técnica oncoplástica mais adequada. Neste grupo, o emprego de retalhos locais ou de vizinhança torna-se quase que imperativo uma vez que a insuficiência glandular e as ressecções maiores impossibilitam o emprego de´inúmeras técnicas locais como retalhos glandulares ou procedimentos de mamoplastia.
O uso de retalhos locais na reconstrução imediata da mama pós cirurgia conservadora tem sido um ponto de discussão e interesse recente por parte de mastologistas e cirurgiões plásticos. No último congresso americano de cirurgia plástica, foi abordado pelo Dr.Alexandre Munhoz como tema de participação em uma mesa redonda de cirurgia oncoplástica. Na apresentação, foi enfatizado a importância da seleção das pacientes e a maior indicação destes procedimentos em mulheres com mamas menos volumosas e submetidas à ressecções maiores.
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Prof. Albert Losken, M.D. |
Drs. Stephen Kronovitz (MD Anderson Cancer Center, Houston, EUA), Dr. Alexandre Mendonça Munhoz e Albert Losken (Emory Hospital, Atlanta EUA). |
A Parte III - Reconstrução Mamária Imediata, Parte IV - Reconstrução Mamária Tardia e Parte V - Evolução e Perspectivas Futuras. Coube ao Dr.Alexandre Munhoz a autoria de dois capítulos, sendo um na parte II abordando no capítulo 13 a época da reconstrução mamária ("Timing the Oncoplastic Reconstruction") e na parte III com o capítulo retalhos locais ("Tissue Replacement Methods Using Local Flaps") no qual abordou os diferentes aspectos do emprego de retalhos locais na cirurgia conservadora da mama.
Na mesma sessão da Parte III - Tissue Replacement Using Flap Techniques, Richard Rainsbury abordou o emprego do retalho do músculo grande dorsal na reconstrução pós quadrantectomia e o colega Albert Losken o emprego de técnicas endoscópicas na dissecção do mesmo retalho. Moustapha Hamdi demosntrou sua experiência no emprego de retalhos perfurantes dos vasos intercostais (ICAP flap) e Aldona Spiegel a aplicação de retalhos a distância na reconstrução de defeitos parciais da mama. No capítulo intitulado de "Tissue Replacement Methods Using Local Flaps" o Dr.Alexandre Munhoz abordou os diferentes aspectos relacionados ao emprego de retalhos locais na reconstrução imediata e tardia de defeitos parciais da glândula mamária. Entre os benefícios da abordagem imediata podemos enfatizar a reconstrução em tempo único e realizada no mesmo tempo do tratamento oncológico.
Portanto, e frente a abordagem imediata há uma possibilidade teórica de redução de custos hospitalares e menor número de intervenções cirúrgicas uma vez que ambos procedimentos são realizados em um só tempo operatório. Ademais, todo o procedimento é realizado previamente a radioterapia adjuvante e, portanto com menor incidência de complicações e resultados estéticos superiores uma vez que os tecidos manipulados localmente ou na vizinhança não apresentam os efeitos deletérios como fibrose, retrações e insuficiência de vascularização.
Como desvantagens da reconstrução imediata, o Dr. Munhoz enaltece o tempo operatório mais prolongado e a necessidade de um perfeito intercâmbio de informações e condutas com o mastologista no sentido de se programar de maneira adequada as incisões e a extensão da ressecção. Ademais, e embora seja menor que a observada nas técnicas de mamoplastia redutora, existe um potencial pequeno de deslocamento do sítio tumoral original. Este aspecto pode ter influência na programação da dose localizada de radioterapia (boost) ou mesmo na eventual situação de margens comprometidas na parafina e a necessidade de localização do sítio original para a ampliação das mesmas. Apesar destes aspectos, Dr.Alexandre salienta que a constante troca de informações com a equipe multidisciplinar e, sobretudo com o radioterapeuta e o mastologista permite em última instância uma minimização destes aspectos negativos. Acrescenta ainda que no emprego dos retalhos locais, o deslocamento do sítio tumoral é de menor extensão ou até inexistente quando comparado as técnicas de mastopexia/mamoplastia.
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Cirurgia Oncoplástica - Retalhos Locais na Cirurgia Conservadora da Mama - Dr. Alexandre Mendonça Munhoz - Reconstrução mamária, Breast reconstruction, Oncoplastic surgery |
Na programação do retalho rombóide e suas variações, alguns pontos são importantes e necessários para se conseguir bons resultados. Desta forma, o diâmetro do quadrante e da ressecção cutânea, a orientação das incisões cutâneas em relação às linhas de tensão cutânea, o arco de rotação do retalho e vetor de máxima tensão cutânea após o fechamento da área doadora são pontos a se considerar previamente ao planejamento do retalho. Em defeitos circulares pode-se converter em uma paralelogramo oblíquo de modo a favorecer a trasposição do retalho. Habitualmente os angulos laterais e mediais apresentam-se por volta de 60 graus e os ângulos intermediários com 120 graus.
Como vantagens podemos mencionar a facilidade técnica de dissecção uma vez que sua vascularização é "ao acaso" e, portanto não necessita de dissecção do pediculo. Ademais, a proximidade com o quadrante a ser reconstruído promove a transferência de pele de características muito semelhantes em termos de cor e espessura e portanto resultados mais naturais. Em defeitos maiores e/ou que não são favoráveis ao arco de rotação ou mesmo maior tensão no fechamento da área doadora, deve-se aventar a possibilidade de outras alternativas técnicas uma vez que a distorção local ou deslocamento da unidade estética da mama e do complexo aréolo-papilar podem prejudicar o resultado estético da reconstrução. Um estudo interessante publicado desenvolvido pela Universidade da Califórnia e a NYU (Sifakis et al.) avaliou por simulação em computador 3D o planejamento, o arco de rotação e a distorção local causada por um retalho do tipo rombóide. Desta forma, e por simulação, consegue-se estipular o sucesso da aplicação deste tipo de conceito na reconstrução de defeitos circulares.
Como benefícios do emprego desta técnica, podemos ressaltar a localização da cicatriz da área doadora em uma região pouco visível e localizada dentro da região axilar. Ademais, em pacientes obesas, mais idosas ou que apresentem grande flacidez local, há a possibilidade de transferência de volumes maiores de tecido subcutâneo e pele sem haver detrimento no fechamento da área doadora. Todavia, a grande limitação do retalho subaxilar está relacionado à sua pouca flexibilidade na reconstrução de outros defeitos mamários que não os localizados nos quadrantes laterais e em específico a região súpero-lateral. Desta forma, tem como única indicação a reconstrução de quadrantectomias nas regiões laterais superiores uma vez que o arco de rotação oferece grandes limitações para sua transferência para outras regiões da mama. Ademais, no planejamento do retalho em posição mais superior e incorporando a área do "cavum" axilar pode haver deslocamento da região pilosa da axila. Nesta situação os resultados estéticos podem ser limitados uma vez que a região mamária reconstruída no quadrante lateral pode apresentar pilificação.
Na variante superior, o seu planejamento é muito semelhante ao retalho Subaxilar de Kroll porém a marcação cutânea é realizada em posição um pouco mais inferior e, portanto sem a inclusão da área de pilificação. Todavia, a sua maior aplicação estaria relacionada na variante inferior o qual a marcação é realizada em um eixo localizado próximo ao sulco infra-mamário. Desta forma, este tipo de retalho se mostra útil na reconstrução da grande maioria de defeitos localizados nos quadrantes laterais da mama.
Em ressecções pós quadrantectomias menores e mais localizadas, pode-se programar o retalho na região do tórax lateral incorporando uma menor extensão de pele e tecido subcutâneo. Todavia, em ressecções mais extensas o retalho deve ser planejado de sorte a incorporar uma maior extensão tecidual. Para este objetivo, o seu desenho é realizado de maneira curva e a extremidade distal do retalho deve atingir a região dorsal posterior próximo a escápula. Como se trata de um retalho "ao acaso", deve-se atentar para a vascularização da extremidade apical do retalho. Assim, durante a montagem da mama deve-se avaliar a vascularização desta região e em algumas situações despreza-la com intuito de se evitar perdas parciais e esteatonecroses.
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Dr. M. Hamdi, M.D. |

Como vantagens do emprego dos retalhos perfurantes podemos mencionar a maior flexibilidade na sua transferência e na montagem do defeito a ser reconstruído na região da quadrantectomia. Uma vez que na maioria das situações os retalhos são configurados "em ilha" e há a possibilidade de identificação e dissecção do ramo perfurante principal, há uma maior plasticidade no processo de avanço e moldagem do mesmo.
Ademais, a sua configuração em ilha permite cicatrizes menores e localizadas na região da área doadora e na área do quadrante apenas, fato este que permitiria resultados estéticos superiores quando comparados com os retalhos convencionais de avanço-rotação. Com aspectos negativos, há uma inerente maior dificuldade técnica na sua dissecção uma vez que há a necessidade de dissecção do pedículo vascular. Em algumas situações, o pedículo perfurante pode ser curto e com diminuto calibre, fato este que pode limitar a reprodutibilidade do procedimento.
- Critérios de escolha para os diferentes retalhos locais

-Ressecções Mediais:
Nas ressecções localizadas mais próximas a linha média (mediais) há uma inerente dificuldade técnica maior no planejamento e na escolha da técnica de reconstrução, sobretudo em maiores retiradas de volume tecidual. Nas ressecções menores e localizadas no quadrante médio e superior, pode-se empregar o retalho rombóide como previamente descrito. Como fator limitante há a escassez de tecido na região medial e supraesternal. Ademais, a maior espessura da derme nesta região confere uma menor elasticidade cutânea, fato este que limita o arco de rotação do retalho e favorece a formação de bridas cutâneas. A nossa experiência tem demonstrado que na maioria das situações as cicatrizes resultantes (quadrante e área doadora) se apresentam de maneira insatisfatória e, desta forma é preferível o emprego de retalhos glandulares locais do tipo avanço simples ou mesmo retalhos a distância na situação de ressecções mais volumosas. Nas ressecções mediais inferiores e mais próximas ao sulco infra-mamário pode-se empregar o retalho de sulco com avanço em dermolipectomia reversa ou mesmo o retalho perfurante intercostal anterior com bons resultados.
Dr. Alexandre Mendonça Munhoz, Hospital Sírio-Libanês, São Paulo / SP. Reconstrução da mama, cirurgia oncoplástica. |
Desta forma, o uso de retalhos locais na reconstrução da mama pós cirurgia conservadora deve ser aventada como qualquer outra técnica de reconstrução oncoplástica. Na aplicação individualizada de cada procedimento deve-se avaliar com bom senso e em conjunto com o colega mastologista o volume do tumor, a extensão da ressecção e o volume mamário inicial. Em pacientes que apresentam volume mamário reduzido torna-se um desafio na escolha da técnica oncoplástica mais adequada. Neste grupo, o emprego de retalhos locais ou de vizinhança torna-se quase que imperativo uma vez que a insuficiência glandular e as ressecções maiores impossibilitam o emprego de técnicas locais como retalhos glandulares ou procedimentos de mamoplastia.