Dr. Alexandre Mendonça Munhoz - Cirurgião Plástico - Leis e Direitos na Reconstrução da Mama |
Toda mulher tem direito à cirurgia oncoplástica....é uma questão de reabilitação.
Todavia, o horizonte é singular entre todas as especialidades e objetiva a cura e a reabilitação. A cirurgia plástica como parte fundamental do tratamento global apresenta ainda nos dias de hoje algumas raras restrições por parte do sistema de saúde público e suplementar. Embora que ocorra cada vez menos frequente ainda nos deparamos com limitações de cobertura ou mesmo não inclusões contratuais em seguradoras de saúde. As leis existem e são bem claras quanto ao direito da mulher, a importância do procedimento oncoplástico no contexto do tratamento oncológico e, sobretudo a necessidade das inúmeras etapas cirúrgicas e materiais especiais para o processo de reabilitação da paciente. Desta forma, a lei brasileira obriga todos os planos de saúde a cobrirem qualquer procedimento voltado para a prevenção ou tratamento de males que afetem comprovadamente a saúde do cliente das seguradoras de saúde. "Cirurgias que envolvam algum problema de saúde, ainda que tenham cunho estético, devem ser cobertas", ressalta o advogado sanitarista Tiago Farina Matos em interessante debate publicado no Portal Exame.
Segundo a mesma reportagem, alguns procedimentos desse tipo já são previstos na regulamentação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), órgão que regula os planos de saúde. Neste contexto se enquadra a cirurgia bariátrica, para os pacientes que sofrem da afecção de obesidade mórbida (índice de massa corporal acima de 40). Como a obesidade é considerada doença, qualquer procedimento no sentido de tratá-la ou evitar novos problemas decorrentes do excesso de peso deve ter cobertura por parte do sistema de saúde suplementar (seguros/planos de saúde). Assim, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu neste ano, que a cirurgia de retirada de excesso de pele após procedimentos bariátricos (como na redução do estômago) deveríam ser obrigatoriamente cobertos pelos planos, ainda que não conste na lista da ANS. Nesta análise, o STJ compreendeu de maneira clara que esse tipo de cirurgia não é meramente estética, mas faz parte do tratamento de obesidade, que pode e deve ser custeado integralmente pelos planos de saúde. Mesmo porque o excesso de pele pode trazer outros problemas de saúde, como infecções.
Neste sentido, há mais de 10 anos o governo federal sancionou e publicou uma alteração na lei que regulamentava os planos de saúde. A partir deste momento, a cirurgia oncoplástica da mama, seja nas situações de cirurgia conservadora e/ou mastectomias, deveria ser coberta pelos planos e seguros de saúde. A deformidade, nesse caso, é consequência do tratamento para a doença, e pode, inclusive, levar a danos psicológicos. "É considerado algo que mexe com a autoestima da mulher", explica Tiago Farina Matos para o Portal Exame. Todavia, e apesar de lógico e "civilizado" esta clareza de pensamento não tinha respaldo no sistema de saúde suplementar até mais recentemente. Desta forma, até a sua completa regulamentação legal e na ausência do embasamento jurídico, a recusa nesta cobertura era decorrente do caráter estético da cirurgia de reconstrução da mama, o que levava as operadoras a restringir os procedimentos de cirurgia oncoplástica para a paciente submetida ao tratamento do câncer.
Devido à objetivos puramente de gestão financeira ou mesmo ignorância sobre o tema e a sua repercussão no contexto de saúde biológica e psíquica, achava-se por parte dos gestores que a reconstrução era "embelezadora" e que a mesma não era necessária e, portanto, não deveria ser coberta pelo seguro saúde. É fato que existe um constante e antigo debate no que tange as diferenças entre cirurgia reconstrutora e estética, e parte desta indefinição deve-se também,a falta de conceitos e clareza por parte do SUS e seguros de saúde. A cirurgia plástica abarca um grande número de procedimentos realizados na parte externa do corpo com o objetivo de preservá-lo ou repara-lo, para proporcionar qualidade de vida, integração e/ou re-integração social, contribuir com a imagem corporal e elevar a auto-estima do paciente.
É fato também que indivíduos confiantes e satisfeitos com a auto-imagem se integram melhor e, sobretudo produzem mais no ambiente de trabalho. Há subdivisões que seguem aspectos técnico-cirúrgicos, mas não há razão para considerá-las áreas independentes. Dentro da cirurgia plástica como um todo, a estética é parte, assim como são a cirurgia oncoplástica, a crânio maxilofacial, mão, microcirurgia, queimaduras etc. Na cirurgia estética - área bem delimitada e muito popular nos dias atuais, a cirurgia de maneira geral é executada em pessoas normais que procuram melhorar sua auto-imagem.
Segundo o Prof.Dr. Marcus Castro Ferreira, professor titular de cirurgia plástica da FMUSP, quase todas as referências muito divulgadas na mídia à cirurgia plástica no Brasil referem-se à estética, mas a parte mais relevante da cirurgia plástica é a reparadora, que corrige deformidades congênitas ou adquiridas, como as sequelas do cancer, e tenta restaurar a aparência de pessoas deformadas. Leis e normas recentes, como a lei que regulamenta os seguros de saúde, excluíram, novamente, as cirurgias estéticas da área de cobertura, mas não houve preocupação em defini-la ou em limitar seu campo de atuação, pois, como se sabe, não há consenso sobre o tema em questão.
Segundo o Prof.Ferreira, uma adequada conceituação que pudesse promover a normatização do procedimento em relação aos seguros de saúde deveria considerar dois critérios possíveis: a separação quanto à finalidade ou quanto à patologia de base. Segundo a finalidade, os procedimentos de cirurgia plástica podem ser divididos em três grupos de acordo com sua classificação:
Apesar da inclusão na lei do artigo que obriga a cirurgia reconstrutiva da mama existe ainda algumas pendências para a maior aplicação da mesma. Assim, outro ponto pertinente é a data do contrato do plano de saúde. Segundo Lúcia Helena a mudança não atinjia os contratos antigos - a lei dos planos de saúde estende-se apenas aos contratos firmados a partir de 1999. "Mas o consumidor que possui um contrato antigo não precisa se preocupar. Ele está amparado por outras legislações. Assim, a negociação será como antes." Ela explica que a falta de resistência das operadoras em realizar a cirurgia acontece porque existe um número grande de documentos e legislação que amparam o consumidor neste caso. "As operadoras sabem que, caso seja ajuizada uma ação, haverá ganho de causa. Por isso, na prática, reconhecem este direito do segurado." Depois das resoluções dos Conselhos Estadual e Federal de Medicina, Lúcia Helena observou uma diminuição no número de reclamações.
É fato que Hospitais terciários e que atendem de maneira rotineira a paciente com diagnóstico de câncer de mama de maneira multidisciplinar, e portanto enfocando o importante componente da reconstrução da mama, se deparam com a questão da cobertura da reconstrução no tratamento global do câncer mamário. Segundo o Hospital do Câncer - AC Camargo, toda mulher que teve uma ou ambas as mamas amputadas ou mutiladas em decorrência do tratamento do câncer tem direito à realização de cirurgia plástica de reconstrução mamária, quando devidamente recomendada pelo médico responsável. No caso de paciente com câncer que se encontra coberta por plano de saúde privado, a obrigatoriedade da cobertura está prevista na Lei Federal 10.223/01, que alterou a Lei Federal 9.656/98. Referido dispositivo legal contempla, em seu artigo 10-A, que as operadoras de saúde são obrigadas, por meio de sua rede de unidades conveniadas, a prestar o serviço de cirurgia plástica reconstrutiva de mama, decorrente da utilização de técnica de tratamento de câncer utilizada. Por outro lado, o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) recomenda que as hipóteses de exclusão contratual suscitadas pelas operadoras e seguradoras devem ser redigidas de forma clara (artigo 46) e, na dúvida, interpretadas da maneira mais favorável ao consumidor (artigo 47).
Outra alternativa seria a adaptação do contrato antigo por um novo, todavia essa opção nem sempre é a melhor solução. Segundo o Procon, “Deve-se analisar caso a caso e o consumidor deve levar em conta a relação custo-benefício, pois o contrato que tem em mãos pode garantir as coberturas de que precisa e, se for apenas por causa da cirurgia reconstrutiva da mama, já está protegido mesmo que exista uma cláusula excluindo esta obrigação." Caso o consumidor não consiga resolver no âmbito administrativo - primeiro, com a operadora e depois, com a intermediação de um órgão de defesa do consumidor -, pode entrar com uma ação na Justiça. Nas ações cujo valor da causa não ultrapasse 40 salários mínimos, terá o benefício do Juizado Especial Cível. Até 20, a presença do advogado está dispensada. Acima destes valores, o processo deverá ser encaminhado à Justiça comum.
Quanto à saúde pública, o Sistema Único de Saúde (SUS) é obrigado a realizar a cirurgia plástica, utilizando para isso todos os meios e técnicas necessárias - Lei nº 9.797/99 e os Planos de Saúde – Lei nº 10.223/01. Esta lei criada durante o governo do então presidente Fernando Henrique Cardoso pelo congresso nacional, obriga o SUS a oferecer e prover a reconstrução da mama nas situações de câncer de mama. Em 2000, a Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania (CCJC) do senado federal por meio da relatora a deputada Ann Pontes avança ainda mais neste assunto uma vez que amplia a cobertura do SUS em diferentes tipos de sequelas e etiologias*.
Ademais, incluiu também o sexo masculino que embora mais raro, o câncer de mama no homem também pode levar à mutilação e afetar a qualidade de vida. Assim, as pessoas portadoras de defeitos físicos, congênitos ou adquiridos, inclusive aqueles decorrentes de cirurgias, causadores de sofrimento moral ou psicológico relevantes, terão acesso ao tratamento cirúrgico-plástico necessário e adequado, segundo os meios e técnicas disponíveis à ciência médica, no âmbito do SUS. As despesas decorrentes da implementação da lei projetada serão financiadas com recursos do orçamento da seguridade social da União, dos Estados e dos Municípios.
A inobservância do disposto na lei, por parte do servidor público, configurará o crime de prevaricação, bem como sujeitá-lo-á a processo administrativo. O agente político responsável pelo inadimplemento responderá, a par das sanções civis, penais e administrativas, por crime de responsabilidade.
No estado de São Paulo, coube ao governo do então governador Geraldo Alckmin e o secretário de saúde Luís Roberto Barradas, a publicação em 2003 do decreto nº 47.701, de 11/03/2003 que regulamenta a Lei nº 10.768, e que institui a cirurgia reconstrutiva da mama em hospitais públicos. Segundo a lei e os respectivos parágrafos a reconstrução mamária é um direito da paciente com diagnóstico de câncer e um dever do estado:
Artigo 1º - O Programa de Cirurgia Plástica Reconstrutiva da Mama, instituído pela Lei nº 10.768, de 19 de fevereiro de 2001, destinado às mulheres que sofreram mutilação parcial ou total da mama, decorrente da utilização de técnicas aplicadas no tratamento do câncer de mama, será implantado, nos hospitais da rede pública estadual integrados ao Sistema Único de Saúde - SUS, de forma regionalizada e será coordenado pela Secretaria da Saúde.
De acordo com a proposta, as pessoas que sofrerem tratamento clínico ou cirúrgico para cura de patologias mamárias de qualquer etiologia, provocando ausência, retração cicatricial, deformidades diversas e assimetria mamária, terão direito à cirurgia plástica. A inclusa justificação defende que a lei que garante à mulher, pelo SUS, a reconstrução mamária, em casos de câncer, é discricionária, uma vez que não contempla o homem vítima de câncer mamário, nem corrige seqüelas ou deformidades das pessoas em geral, portadoras de outras patologias que afligem aquele órgão.
Interessante também é o lado da paciente que vivenciou o problema na época de transição da lei e felizmente tem o conhecimento legal. Com linguagem objetiva, a advogada de recife Antonieta Barbosa, explica no livro “Câncer – Direito e Cidadania”, que portadoras de câncer de mama têm direito a cirurgia reparadora mamária, ou seja, mulheres que tiveram uma ou ambas as mamas mutiladas ou amputadas em decorrência de técnica de tratamento de câncer.